Em entrevista ao Jornal Correio dos Açores, edição de 23 de fevereiro de 2025, que partilhamos na íntegra, Paulo Gomes, Presidente da Junta de Freguesia de São Mateus da Calheta destaca os desafios e conquistas da vila, desde a valorização do sector piscatório e turístico até à necessidade urgente de habitação e infra-estrutura. Com um crescimento populacional significativo e uma economia dinamizada pela pesca e restauração, São Mateus da Calheta enfrenta problemas como falta de estacionamento,
requalificação de zonas balneares e apoio social. Para o futuro, o executivo aposta na expansão da vila, melhoria da qualidade de vida dos habitantes e preservação do seu património histórico e cultural:

Qual a sua experiência enquanto Presidente da Junta de Freguesia da Vila de São Mateus da Calheta?

Tem sido uma experiência muito gratificante e desafiadora, embora muito desgastante, em especial para aqueles que vivem o cargo de Presidente de Junta de forma entusiasmante, e que dedicam o seu dia a dia a pensar em formas de melhorar a qualidade de vida das pessoas, bem como em melhorar as suas freguesias. O cargo de presidente de junta é o mais difícil, ingrato e mal renumerado da política. No meu caso em específico, como sempre fui muito próximo das pessoas, tendo experiência em dirigismo desportivo e tendo integrado várias comissões de festas, tem sido mais fácil lidar com toda a dinâmica autárquica. O facto de exercer funções como deputado à Assembleia Legislativa, também ajuda no desempenho do meu cargo.

Qual é o retrato que nos faz da Vila de São Mateus da Calheta?

Primeiro que tudo, somos uma Vila muito querida junto da população da ilha Terceira. Porque somos muito acolhedores, a nossa restauração é fantástica, muito graças ao Porto de Pescas que é o mais importante da ilha, que faz com que todos queiram vir a São Mateus comer peixe e marisco fresco. Implantada junto ao mar, com uma orla costeira baixa, torna-nos uma Vila de referência. Outro ponto forte, é termos praticamente de tudo, desde agricultura, empresas para todo o tipo de serviço de construção civil, peixaria, banco, CTT, farmácia, dentista, hotelaria, zonas balneares, entre muitas outras valências. De referir, que apesar da forte componente piscatória atualmente, no início do seu povoamento São Mateus tinha muitas Quintas, onde predominava a agricultura.
No passado havia a caça à baleia, e mantemos o património baleeiro com muita dedicação, nomeadamente uma lancha baleeira e três botes baleeiros. Temos uma equipa de vela e remo, onde todos os verões deslocamo-nos a diversas ilhas do Grupo Central para participar em regatas, com especial foco na ilha do Pico.

Quais são os principais desafios, necessidades e dificuldades que a Vila enfrenta?

Contamos apresentar ainda este ano o Plano de Expansão e Desenvolvimento da Vila de São Mateus, onde apresentaremos vários projetos e ideias para relançar São Mateus para o desenvolvimento que merece. É claro que todas as ideias carecem de aprovação ou investimento do Governo Regional, Câmara Municipal ou privados, contudo temos de avançar com as propostas. Tudo fazemos para elevar e engrandecer a Vila. Criamos em 2021 a Marcha da Junta de Freguesia, onde alem de participarmos nas Sanjoaninas, temos levado o nome de São Mateus a diversas freguesias na ilha Terceira, contando já com 2 deslocações à ilha Graciosa. Este ano temos um convite para as festas de São Roque do Pico. Outro exemplo de dinamização foi conseguirmos trazer para o Porto de Pescas a apresentação dos carros do Rally Ilha Lilás. Um evento que trouxe em 2023 e 2024 milhares de pessoas a São Mateus, sendo que este ano temos tudo certo com o TAC, para voltar a contar com este magnifico evento desportivo.

Qual é o sector mais desenvolvido na Vila de São Mateus da Calheta?

Esta é uma pergunta complexa, pois a resposta depende de variáveis. O setor das pescas é o maior, pois temos centenas de pessoas que direta ou indiretamente vivem desta atividade, como são os pescadores ou compradores de pescado. Toda a restauração da Vila também depende muito da pesca. Se olharmos para a vertente empresarial, vemos que os empresários mateusenses são muito dinâmicos e empreendedores, os agricultores – apesar de serem em número reduzido comparativamente a outras freguesias – tem as suas explorações bem organizadas e desenvolvidas

Qual a dimensão da pobreza na Vila de São Mateus da Calheta? De que forma tem evoluído este fenómeno?

Infelizmente a pobreza é um fenómeno que atinge praticamente todas as localidades nos Açores, com maior ou menor incidência. Há algumas décadas atras, na nossa Vila havia muita pobreza, no entanto com o passar do tempo, com a modernização do setor das pescas, com o aumento da população fruto da vinda de pessoas de fora da Vila, a pobreza diminuiu muito. Naturalmente, enquanto executivo é uma matéria que acompanhamos de perto e que nos preocupa.

O consumo de droga é uma preocupação na São Mateus da Calheta? Qual é a dimensão?

Sem dúvida. Sempre houve consumo e venda de substâncias ilegais, contudo, no passado havia mais recato, consumia-se às escondidas, a venda tambem era feita de forma discreta. Nos dias de hoje, infelizmente assistimos a uma enorme falta de decoro nesta situação, em especial da atual geração jovem que envereda por este caminho. Tenho esperança que as coisas melhorem neste sentido, que a próxima geração tenha mais respeito em termos de vivência enquanto sociedade. Não posso deixar de referir, que as leis em Portugal não contribuem em nada para resolvermos este flagelo, pois protege os pequenos delitos, que juntos tornam-se um problema grave, dificultando e muito o trabalho das autoridades.

Qual tem sido o crescimento do turismo nos últimos anos? O número de alojamentos locais tem aumentado na São Mateus da Calheta?

Em termos de visitação da Vila, o crescimento tem sido muito positivo, muito à conta da restauração que é muito procurada por todos, turistas e locais. A excelência da orla costeira, o magnifico Porto de Pescas, zonas balneares, Igrejas e Impérios fazem aumentar a procura. Em termos de alojamentos, a maior referência é sem dúvida a Quinta do Martelo, é uma referência de alojamento em espaço rural, a nível nacional. As unidades de alojamento local, também tem crescido, e esperamos que a Pousada da Juventude volte a abrir no próximo ano.

De acordo com os últimos CENSOS, a Vila viu o seu número de habitantes a aumentar nos últimos anos. Em 1991 tinha 2.936 habitantes. Neste momento, encontra-se com 3.777 habitantes. Em sua opinião, a que se deve este facto?

A proximidade com o centro de Angra do Heroísmo, o microclima que advém da baixa altitude, a proximidade do mar e o facto de termos praticamente todos os serviços e comércio necessários à população, fazem com que muitas pessoas tenham decidido vir viver para São Mateus, apesar do elevado preço das casas e terrenos, das mais valorizadas da ilha Terceira.

A falta de habitação é um problema na Vila?

Infelizmente, é uma situação muito problemática e que nos preocupa muito enquanto executivo. Não há semana que passe, que não receba uma chamada de alguém a procurar casa para arrendar na Vila. Já alertei o Governo Regional que atendendo à nossa dimensão populacional e social, seria importante realizar um investimento na área da habitação, não no modelo de bairro social, mas sim, no modelo de construção a custos controlados e com opção de compra ao fim de um determinado tempo. Os jovens casais que me procuram não se importavam de pagar uma renda justa, na ordem dos 300€ mensais, para depois tentarem comprar a casa. Neste momento, o problema são as exigências bancárias que são difíceis de atingir.

As verbas são suficientes para gerir a Vila ao longo do ano? Tem falta de alguma infra-estrutura?

Claramente que não. É preciso não esquecer que as juntas de freguesia vivem com orçamentos iniciais baixos, depois ao longo do ano através de protocolos com as Câmaras e Governo Regional poderão aumentar o orçamento e realizar alguns investimentos. Temos neste momento uma gritante falta de estacionamento no centro da Vila e com tendência para piorar. Encontramos uma solução para criar 40 lugares, falámos com os residentes e pescadores – algo que faço sempre nas minhas grandes decisões, para envolver o povo nas decisões – que concordaram de imediato, no entanto foi rejeitado pela Câmara Municipal. Não temos um edifício em condições físicas ou de lotação, para servir de salão ou auditório, que possa servir condignamente a população. Neste caso já conseguimos através do Governo Regional um terreno para que no futuro possamos almejar este objetivo que é comum entre os mateusenses. Falta-nos um armazém que possa servir a Junta de Freguesia e as comissões de festas, para prepararem as festividades. Já temos terreno, cedido pelo Governo Regional, fizemos candidatura ao novo “regime jurídico da cooperação técnica e financeira entre a administração regional autónoma e as freguesias”, esperando concretizar este projeto em breve. É justo referir, que a criação deste novo regime pelo Presidente José Manuel Bolieiro veio dar dignidade aos executivos de junta, em especial às que são alvo de represálias por parte de municípios que não tratam todos por igual. Temos uma zona balnear que é o Negrito que necessita de uma verdadeira requalificação, pois possui condições de excelência. Por exemplo, a piscina natural fica vazia com a maré baixa. Temos intercedido junto da Câmara, mas sem sucesso. O pavilhao desportivo foi prometido em 2013, 2017 e 2021 pelo município, sem que o projeto nunca tenha saído do papel.

Quais são as condições dos caminhos rodoviários? E os dos caminhos agrícolas?

Temos duas estradas regionais, com um pavimento colocado já há muitos anos, mas mantendo-se a um nível aceitável. Em relação às vias municipais, temos já algumas com forte desgaste. Tenho de realçar o empenho dos funcionários da Câmara que reparam os buracos que vão aparecendo, sempre que sinalizamos. Devo confessar que todas as divisões e serviços da Câmara Municipal são inexcedíveis no apoio às Juntas de Freguesia. Já não posso dizer o mesmo relativamente ao executivo camarário, que nos solicitou informação sobre quais eram as duas piores vias municipais, isto em 2021, para ser colocado um piso novo, sendo que até à data de hoje nada foi feito. São Mateus não tem caminhos agrícolas, mas sim acessos a terrenos agrícolas, pois estão dentro da área geográfica municipal e fora do perímetro ordenamento agrário.

Quais são os pratos gastronómicos típicos na Vila das São Mateus da Calheta? Há falta de espaços de restauração?

Temos uma vasta gastronomia, essencialmente a nível de peixe e marisco. Os pratos típicos são os Chicarros fritos com molho cru, acompanhados por bolos de milho (conhecidos por bolos na sertã); Caldo de Peixe; Cavala Seca; Alcatra de Congro; Naturalmente que há muitos outros pratos de peixe e marisco, procurados pelas pessoas, pois para além da frescura destes alimentos, os mateusenses sabem prepará-los como ninguem.

Quais são as condições das escolas na Vila? Existem actividades ou apoios específicos para a juventude local?

Temos duas escolas, da responsabilidade do município. Através de uma delegação de competências recebemos uma verba, para ao longo do ano realizar pequenas intervenções e manutenções, pois são edifícios antigos. No global estão em boas condições. Relativamente a atividades, temos um Grupo de Jovens e os Escuteiros Maritímos que realizam diversas atividades e estão bem implementados na Vila. O executivo da Junta de Freguesia tem apoiado todos os atletas em deslocações a provas regionais e nacionais, dentro das nossas limitações orçamentais. É pouco, no entanto todos recebem sem discriminação.

Quais são as condições de apoio à população idosa na Vila? Existem actividades ou serviços específicos para melhorar a qualidade de vida dos idosos? O número de lares de idosos é suficiente?

Não temos Centro de Noite, nem Lar de Idosos. É uma lacuna da nossa Vila. No entanto, temos um Centro de Convívio chamado O Girassol, onde um grupo de voluntárias realizam diversas iniciativas com os nossos idosos, alem dos dois dias semanais, onde se juntam no Centro Social. Durante todo o mandato acompanhamos sempre este grupo, alem da excelente relação com o Sr. Padre da Vila, de modo a estarmos sempre informados sobre situação de cada um.

A Vila tem potencial para se desenvolver em que sectores?

No Plano de Expansão e Desenvolvimento da Vila de São Mateus, abordaremos todas estas questões, no entanto posso desvendar já algumas situações. Primeiro que tudo é importante referir que o centro de Angra do Heroísmo, a sua orla costeira e a sua periferia estão praticamente esgotadas. A cidade tem de crescer para fora, e na minha opinião, São Mateus tem todas as condições, pela proximidade, para receber este crescimento em duas vertentes. Em termos de orla costeira, com o construção/melhoramento das zonas de banho, que são muitas; a requalificação da zona balnear do Negrito; com a construção de uma zona para desportos náuticos, fugindo assim ao Porto de Pescas. Temos uma zona, perto do Bairro dos Pescadores, onde, fruto das características dos baixios, o investimento em um quebra-mar seria reduzido. Todo o concelho ganharia com esta iniciativa. A segunda vertente seria em termos de habitação. Há um conjunto de acessos que poderiam ser aproveitados para a construção de vias municipais, permitindo assim a oferta de mais lotes para construção e melhorando o transito, pois São Mateus tem um fluxo de visitantes e de passagem muito grande.

Quais são as expectativas para 2025?

Em 2021 o Governo Regional adquiriu um terreno com mais de cinco mil metros quadrados, para ser construído infraestruturas de apoio aos pescadores. Esta obra já está a decorrer e esperamos que esteja concluída durante o corrente ano. Atendendo a que a obra apenas ocupará pouco mais de dois mil metros quadrados, o Governo Regional cedeu à Junta de Freguesia o restante, para realizar duas obras de interesse para a Vila de São Mateus. A primeira, que já abordei nesta entrevista, é a do armazém, que será muito importante para toda a população, pois terá valências fundamentais. A segunda obra que no futuro poderá nascer no terreno, seria a de um Salão à dimensão da nossa Vila, e que é muito desejado por todos. Este executivo conseguiu neste primeiro mandato o terreno, sendo que o resto podemos trabalhar no próximo mandato, mesmo sabendo que é um investimento muito elevado.
Este ano serão colocadas as placas de boas-vindas da Vila, que nunca teve, mas que será uma realidade, para alem de muitas outras iniciativas que não posso transmitir agora para não estragar o efeito surpresa.

Quer acrescentar algo mais que considere importante no âmbito desta entrevista?

Toda a Vila tem uma mágoa pelo estado atual da Igreja Velha, que era utilizada no seculo XIX. Um furacão destruiu o teto, e desde então temos uma igreja erguida, sem teto e a degradar-se de ano para ano. Após este incidente, foi construída a atual igreja, já no centro de São Mateus. A igreja pertence à diocese, neste sentido já tivemos uma reunião no início do mandato para abordar este assunto, sem grande resultado pois o novo Bispo não tinha tomado posse. Neste momento já demonstramos interesse em marcar nova reunião, de forma a podermos resolver este impasse.”

Por Correio dos Açores, 23 de fevereiro de 2025

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